Era início de uma tarde abafada em torno do Templo do Lótus, como em outras tantas vezes. Ventava, mas o vento estava morno. O Sol, em lenta descaída, conferia uma nitidez forte à verdejante tanto quanto sempre serena e, em sua maioria, rasteira paisagem local.
Em um compartimento da solitária torre, Marina, envolvida por uma túnica leve, dormia um sono deliciosamente imposto pela malemolência que transpirava de todo lugar ali próximo. E a várias centenas de metros do templo, Gaio também procurava respirar essa preguiça prazerosa. Sob a sombria folhagem de um pequeno agrupamento de árvores, banhava-se distraidamente nu em uma poça de água cristalina perenemente alimentada por um arroio que corria e gorgolejava pachorrento.
Gaio deixou a água do remanso e foi deitar-se com as costas em cima da margem enrelvada. A brisa soprada sobre a água que lhe ensopava o corpo todo aumentou em frescor. Os olhos cerrados, ele não desejava outra coisa que não relaxar. Para isso, queria desligar o pensamento de tudo, desconectá-lo da existência, mergulhá-lo no vazio absoluto. Ufa!, como a realidade apreendida em todas as suas facetas o sufocava! Quanto tempo ainda aguentaria assim? Às vezes, invejava a felicidade inocente dos ignorantes. Mas, mesmo que quisesse, agora não poderia se tornar um ignaro por opção. Pois quem o é não o sabe... Ah, Gaio, o Universo que carrega nas costas não demorará a esmagá-lo... Maia, minha Flor, preciso tanto repousar nas pétalas de seu colo... mas minha alma se encontra tão imunda... e acho que não posso lavá-la...
Gaio suspirou. Parecia sob o deprimente efeito da profunda embriaguez de melancolia. A tristeza esmagadoramente pesada empanzinava-lhe terrivelmente à maneira de uma indigestão sem paliativo. A angústia oprimia-lhe o peito com a força monumental da água de um volumoso e furioso rio represada. De fato... e que fato tão verdadeiramente incontestável quanto enganosamente contestável!... não era um único, mas infinitos Universos que o espremiam, de todos os lados possíveis.
Gaio outra vez suspirou, a alma sufocada. Por que não conseguia relaxar? Não viera até ali para esse fim? Onde estava todo o gigantesco poder atribuído a você, Gaio? Ele não era o suficiente para romper pelo menos temporariamente os grilhões que o aprisionavam à tristeza? Ou será que, na realidade, o seu poder fortalecia essa imensamente opressora cadeia de argolas, tornando-as cada vez mais indestrutíveis e pesadas? Nesse caso..., jamais escaparia à sucumbência total! Esse seria seu fim natural e inevitável!
E a tarde avançou, sem que Gaio percebesse. Conseguira cochilar. Tanto que raios dourados de sol restritos aos vãos da ramagem e folhagem das árvores próximas logo já alcançavam-lhe o corpo desnudo e já seco. Repentinamente, um sobrenaturalmente violento pé de vento bateu nos vegetais lenhosos, sacudindo-os com força capaz de desfolhá-los completamente. Gaio despertou assustado, ao passo que viu uma chuva de revoltosas folhas cobri-lo cerradamente. A cortina de lâminas verdes deitou temporariamente sombras escuras sobre o aprazível remanso.
Gaio ergueu-se de pressa, afastando com as mãos as folhas que caíam em cima dele. Mas não seria preciso se dar a esse esforço: a cortina de lâminas verdes, e também sépias, logo de se desfez, de modo tão fugaz quanto a duração da lufada que a criou.
Desfeita a cortina a lhe cobrir a vista, o que Gaio divisou, ou delirou ter divisado, provocou-lhe uma intensa vertigem: a violenta desfolhamento deu lugar a um conjunto emaranhado de árvores nuas, de ramos espinhosos aparentemente ressequidos, de um instante para o outro.
Em seguida à acerbada vertigem, sentiu Gaio uma dor de cabeça lancinante: era como se aquela parte de seu corpo tivesse sido apunhalada. Em desespero, Gaio levou a mão à testa. E, num gesto brusco como quem arremessa uma bola de beisebol, despediu um concentrado de plasma contra as árvores secas. Sob o estrondo de um trovão e o clarão de um relâmpago, o poderoso projétil devastou os secos vegetais lenhosos com a fúria de um vendaval.
Apesar da enorme destruição que promovera, Gaio mesmo assim se deparou, ou pelo menos imaginou haver se deparado, com uma árvore aterradoramente ressecada e retorcida que, incrivelmente, se conservava de pé, inteira, contra um Sol moribundo no horizonte ao fundo.
– Não! – bradou Gaio atormentado. – Você outra vez?! Afaste-se de mim, desgraça incômoda! Que desventura veio me trazer agora?
A mão indo apertar a testa na inútil tentativa de amainar-lhe a aguda dor a latejar-lhe na cabeça, Gaio lembrou-se rapidamente de todos os entes queridos, detendo-se por fim na mãe. Pois o lúgubre crepe indissociável da imagem da mãe perenemente enlutada inundou-lhe com uma escuridão total.
Gaio desinquietou-se mais. Afigurava um louco profundamente atormentado. Tamanha agitação explodiu numa festinada. Em direção diametralmente oposta à da árvore que tão terrivelmente o atormentava, Gaio, aos tropeços, correu o mais que podia; não se lembrou nem de se vestir, largando inclusive a roupa para trás.