O ponteiro do arrojado velocÃmetro analógico-digital cravando a incrÃvel marca da quebra de barreira do som, 1.200 quilômetros por hora, Anarco, realizando uma longa curva aberta, um pouco inclinada, pilotando por uma larga pista um enorme triciclo de roda dupla dianteira e movido por fissão atômica, tomava uma aparentemente interminável reta que margeava com a magnÃfica BaÃa de Plenty, de onde, por sinal, era, no momento, possÃvel testemunhar um aparatoso nascer do Sol no Oceano PacÃfico. E percorrendo rapidamente a longa reta sentido sudeste, ele angulou para o sul, para serpentear os sopés dos Mts. Huiarau e dirigir-se a uma monumentalmente vertical e colunar cidade onde, na imensa região central, a maior parte de suas edificações situava acima das poucas e baixas nuvens tingidas em parte de flavo pelo Sol parido pelo horizonte oceânico.
Contornando os Mts. Huiarau, Anarco encontrou, em seguida, os Mts. Ruahine, mais baixos que os primeiros. Nesse ponto, ele já adentrava a periferia da também vasta gigalópole. Aerópolis, como se chamava, estava instalada no entorno do encontro de duas grandes ilhas isoladas do PacÃfico, as gêmeas Ilha Norte e Ilha Sul. A acrópole era também o único reduto humano do planeta Terra. Conhecida ainda como a Cidade Aérea, comportava mais de 100 milhões de habitantes e se dividia em cinco principais zonas administrativas, as Grandes Zonas Leste, Oeste, Norte, Sul e Central, esta que concentrava pelos seus absurdamente numerosos pavimentos o grosso da população.
Atravessando a também pujante Grande Zona Norte, Anarco principiou a subir progressivamente por uma das inúmeras vias suspensas que serpeavam os gigantescos perfura-céus centrais. Tão altos estes eram que, muitos ainda alicerçados sobre o leito oceânico e tantos outros intrincadamente interconectados uns aos outros por construções horizontais de áreas comuns – conhecidas como Édens em virtude da mescla do ambiente elevadamente suspenso de concreto e vidro com o conteúdo exuberante de plantas ornamentais –, de cima quase não se podia enxergar o pavimento ao nÃvel do chão e, também, ao do mar. No luminoso painel de seu veÃculo, medidores eletrônicos mostravam quedas progressivas de pressão atmosférica e de temperatura. O complemento de oxigênio era suprido através de seu capacete. E agora com um sexto da velocidade anterior, seu deslocamento por entre e por cima das nuvens se dava de maneira bem mais lenta por uma questão de segurança, esta controlada por uma infinidade de sensores de tráfego inteligentes espalhados pelas margens da pista e que agiam, quando necessário, diretamente sobre qualquer movimento de direção em falso de qualquer veÃculo da cidade. O sistema de governo de Aerópolis estruturava-se no parlamentarismo com autonomia própria de execução por consenso de maioria e observado estritamente pelos zeladores da Constituição, os integrantes do corpo do Judiciário. E a Constituição, suprema e jamais inviolável, era a primeira defesa e a primeira arma de cada cidadão aeropolitano que tinha, como maior obrigação cÃvel, conhecê-La tão logo soubesse interpretar textos mais elaborados, na mais tenra idade possÃvel que fosse. Tratadora concisa e objetiva das garantias individuais, dos direitos e deveres de cada um, Ela assegurava primeiramente aos cidadãos a distribuição equitativa dos recursos produzidos racionalmente pela coletividade. Entre os aeropolitanos, a renda per capita referia-se à riqueza verdadeira do indivÃduo, não se tratava de uma mera divisão numérica, do todo produzido pela totalidade dos indivÃduos, entre os últimos.